A temperatura marcava como máxima 8ºC e, mesmo assim, o destino era subir a Serra. Morro Reuter (RS) é o tipo de cidade que surpreende quem tem a disposição de conhecê-la a fundo. Fugindo do turismo mais comercial apresentado por Gramado e Canela, a cidade se tornou uma alternativa para quem quer experiências e aproximação com estilo de vida dos moradores durante a visita.
O pequeno município de 6 mil habitantes fica a aproximadamente 60 km de Porto Alegre e tem investido cada vez mais no roteiro de experiências durante os últimos 10 anos. Esse tipo turismo não valoriza apenas a compra e visita, mas também apoia à comunidade local e a experimentação dos hábitos da cidade. A arte é responsável pela maior parte do roteiro turístico da cidade.
Do rádio a cerâmica
O ateliê Anelise Bredow é um desses lugares que preza pela arte e experiência. A artista plástica gaúcha formada pela Universidade Federal de Santa Maria vive de arte há 12 anos, e encontrou na cerâmica uma forma de se expressar e transmitir a sua visão de mundo. Se faz frio lá fora, dentro do ateliê nos esquentamos com a paixão de Anelise pela arte.
A história dela começa na antiga oficina de rádios do pai, quando criança ela via nos capacitores seres mágicos que faziam o rádio funcionar. O mundo de aparelhos eletrônicos, peças e fusíveis foi transformado pela criatividade da infância em um mundo vivo e cheio de cores. Anelise não sabia, mas naquela época tinha encontrado o que iria influenciar sua arte para o resto da vida.
Nas peças de cerâmica expostas no ateliê ainda podemos ver riscos, círculos e cores que nos lembram dos capacitores dos rádios. Anelise nos mostra todo processo de produção enquanto explica a importância respeitar os tempos dos materiais. E no processo de modelagem, erro e acerto que surgem as diversas peças são vendidas na loja na parte da frente do ateliê.
Em tons de azul, verde e branco, encontramos obras de artes para todos os tipos e gostos e bolsos. São quadros, chaveiros, vasos e objetos decorativos que custam entre R$ 2 e R$ 12 mil dentro da loja. Mensagens inspiradoras gravadas na cerâmica nos questionam sobre nossos sonhos e motivam a cumprir nossas metas. Chaveiros com as palavras “gratidão”, “família” e “paciência” nos relembram sobre os valores da vida.
O amor pela arte é visto nos olhos claros e mãos inquietas de Anelise. Questionando o papel da arte na educação e pedindo por uma mudança social e comportamental ela fala sobre a desvalorização do artista dentro de nosso país. Mesmo com todos os pesares, Anelise resiste no propósito de divulgar a arte e implantá-la em nossa cultura.
Tradição na mesa
Para quem pensa que Morro Reuter vive apenas de arte, não conhece a culinária do local. O restaurante Klaus Haus fica próximo do ateliê de Anelise e tem jeito e aconchego de vó. Mesclando o sabor típico dos pratos alemães, com a decoração simples em tons de laranja, o restaurante simples nos transporta para um local de calor e carinho.
A sopa de capelete ajuda abrir o apetite para o buffet caseiro. A combinação de sopa e fogão à lenha tornam ajudam a esquentar.
No buffet, você encontra saladas, churrasco, galeto, carne de panela, maionese e outras de delícias tradicionais. O bolinho de aipim e a polenta são do tipo inesquecíveis.
Apesar de todos pratos típicos, é importante reservar espaço para sobremesa.
No Klaus Haus são mais de 40 tipos de doces. Caseiras e deliciosas os doces fazem par com o cafezinho preto para fechar a parte da manhã do roteiro por Morro Reuter.
Pincel, tela e crítica
No período da tarde, é hora de encher os olhos de arte novamente. O atelier Flávio Scholles se apresenta imponente antes de chegarmos até lá. No pico de um morro e em formato de x, o prédio foi construído para funcionar como casa local para produção das obras que se acumulam, literalmente, pelos quatro cantos da casa.
Scholles é aquele tipo de artista que carrega uma tirada engraçada e irônica em cada uma de suas frases. Quando questionado sobre o formato da casa, ele explica que o formato de x ajuda os extraterrestres a encontrarem o alvo mais fácil. Nascido em uma época em que arte não era considerada masculina, Flávio conta as dificuldades de um artista iniciante na época da ditadura cercado das mais de 8 mil obras que já produziu em 42 anos.
A crítica e ironia presentes em sua fala também se encontram nas telas. O artista trabalha principalmente com os temas colônia, êxodo e cidade. Em meio a milhares de obras, Flávio relembra sobre a obra censurada que critica a dependência da indústria do calçado.
As cores fortes e traços precisos nos revelam a personalidade e contam a história do artista por meio de tinta e tela. O tour termina com a provocação de soltarmos o artista que existe em nós. Caixa de giz e paredes cinzas convidam à arte e a criar e é difícil não encontrar inspiração após um dia na cidade que respira arte.
*Texto: Eduarda Bitencourt
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