Eu tenho um coração despedaçado, no bom sentido (se é que isso é possível). Um coração repartido entre os vários lugares em que já estive, sejam eles próximos ou distantes. Esse ano, outro destino me fragmentou mais uma vez, quando a capital do império inca ficou com uma grande parte do meu coração partido. E acredito que esse pedaço de mim vai ficar pra sempre lá.
Cusco em quéchua (língua dos incas) significa “umbigo do mundo” e o nome não é à toa. A cidade não só reúne pessoas de todas partes do mundo, como faz a gente se prender a ela com uma força gravitacional – não vai parecer exagero quando você estiver lá. Te atrapa, como dizem os turistas. Claro que as montanhas, a beleza do vale sagrado, Machu Picchu e outros atrativos turísticos contribuem para esse sentimento. Mas tem algo a mais…
Existe uma magia na maneira que os peruanos falam da natureza e dos animais, sempre com respeito e agradecimento. Uma magia nas músicas típicas, cheias de flautas e tambores. E uma magia na energia que conecta tudo isso – a querida Pachamama, que em quéchua, significa “mãe terra”, sagrada para os incas.
Me apaixonei por tudo relacionado a essa cidade!
Entretanto, Cusco também tem outra face, que pode passar despercebida aos olhos de quem fica apenas alguns dias por lá: a face da pobreza, educação precária, machismo e da crescente violência doméstica com mulheres e crianças. Este cenário foi o pano de fundo dos meus quatro meses vivendo no país, quando trabalhei em um projeto social inspirado nessa realidade, chamado Aldea Yanapay, uma escola alternativa que atende 70 crianças no contra turno da escola regular.
A filosofia é simples e ao mesmo tempo revolucionária: oferecer uma educação baseada no amor (algo que deveria ser óbvio para todos nós). Simples. Mas a complexidade que envolve tudo isso causou uma verdadeira revolução dentro de mim.
O projeto foi criado pelo cusquenho Yuri Valencia e até hoje é mantido somente por ele. Lá as crianças podem participar de diversas oficinas, como arte, dança, yoga, informática e música, que são coordenadas por voluntários, de todas as idades e todas as partes do mundo. Mas a principal função desses voluntários é brincar com as crianças e recebê-las sempre com um abraço, já que, para a maioria delas, pode ser o único abraço que receberão no seu dia.
Fui até lá para trabalhar no marketing deste projeto social e também na escola, como uma das voluntárias. Na minha vaidade, achei que estava indo para ensinar, mas na verdade só aprendi com a força interior desses niños. Pouco a pouco, criamos intimidade e eles desabafavam sobre seus problemas familiares e escolares: pais que as violentavam, professores que faziam piadas sobre suas dificuldades de aprendizagem, envolvimento precoce com drogas, bulling, entre outras coisas tão distantes da minha realidade que eu nem podia imaginar onde encontravam forças para brincar.
Mas eles encontravam. E sempre sorriam ao chegar na escola, recebendo a todos um abraço apertado.
Fazíamos também meditações durante o Círculo do Amor, um espaço para desabafos ou para fazer algum pedido especial ao universo. É incrível escutar uma criança de 8 anos, que mal tem roupas e comida em casa, pedindo para que a Pachamama cuide de todos os niños que vivem nas ruas! Uma renovação de esperança. Me faziam chorar, sempre. Pela simplicidade, força interior e pela empatia, que eu, aos 26 anos, ainda custo para encontrar em muitas situações.
Para mim, toda essa vivência diária tornou minha experiência ainda mais especial em Cusco. Foi, de fato, revolucionário descobrir um amor tão puro, ingênuo e sincero. Mas, obviamente, não é preciso passar por tudo isso para ter uma vivência significativa na cidade. Escuto muitos pessoas relatando que apenas a visita a Machu Picchu já foi suficiente para ser um divisor de águas nas suas vidas. Conheci pessoas de diferentes lugares do mundo que largaram tudo que tinham para ir morar na cidade sagrada dos Incas. Difícil saber o que te atrapa lá exatamente. Cusco muda os planos de todos que chegam até a cidade. Comigo não foi diferente – e sigo, neste momento, planejando meu retorno pra lá.
Então, para quem está pensando em conhecer o destino, eu diria: simplesmente vá! Vá de mente e coração abertos. E viva cada experiência nova que passar por lá, seja ela boa ou ruim. Afinal, todas elas são parte de ti e da tua viagem, onde o importante mesmo é o caminho e não o destino. Acredito que essa seja uma dica que vale para qualquer novo lugar a ser descoberto.
- Silvia Dalcin Dalmas é jornalista, trabalha como freelancer e é apaixonada por viagens, principalmente pela América do Sul. Já passou por países como Peru, Bolívia, Venezuela, Cuba, Rússia e trabalhou na África do Sul.
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