Texto de Sabrina Stieler*
No final de 2018, a notícia de que o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no nordeste do Estado de Goiás, passaria a ser administrado pela iniciativa privada, e não mais pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), trouxe-me as memórias criadas no Carnaval do mesmo ano, quando viajei para lá com mais seis mulheres.
A viagem foi transbordante pelas belezas naturais encontradas a cada trilha e pelas partilhas feitas a cada conversa com as pessoas incríveis que conheci. Mas a (des)organização da trip começara meses antes.
Em outubro de 2017, uma notificação no celular avisava que eu havia sido adicionada a mais um grupo de Whatsapp. Nele, um convite inesperado: comemorar o aniversário de uma amiga na reserva ambiental Chapada dos Veadeiros. O lugar fica sobre uma imensa placa de cristal de quartzo, forrada pela diversidade do Cerrado e com centenas de cachoeiras seria o cenário das comemorações.
A proposta pareceu inalcançável até a primeira imagem de compra de passagem ser postada no grupo. Nossa aventura carnavalesca estava começando. Passagens de Porto Alegre a Brasília, onde seria nosso ponto de encontro, foram providenciadas por seis das 15 mulheres que haviam sido convidadas.
A empolgação com a viagem foi transformada em aflição quando, dias depois do convite, fomos surpreendidas com a notícia de que o maior incêndio da história do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, declarado Patrimônio da Humanidade, havia atingido mais de 65 mil hectares do local. As evidências apontavam para um incêndio intencional. Não por acaso, a área de conservação havia sido ampliada meses antes. Nossa visita à unidade de conservação se transformaria também em um compromisso.
Além desse novo sentido para a viagem, até o dia de nossa partida, marcada para 9 de fevereiro de 2018, todas nós tínhamos um elo comum: a aniversariante Bruna de Oliveira, gaúcha, nutricionista, mestranda e moradora de Brasília. O que não poderíamos imaginar é que ao final da viagem de cindo dias, as sete mulheres se tornariam uma corrente forte, sensível e empoderada. Só quem já viajou com outras mulheres sabe a intensidade que é compartilhar experiências que fazem transbordar nossas angústias e sonhos.
Primeiro dia: Brasília e Cavalcante
Conseguimos alugar uma casa por um preço muito camarada na pequena cidade de Cavalcante, cerca de 300 km de distância da capital do País. Embora os destinos mais procurados para quem viaja à Chapada dos Veadeiros sejam Alto Paraíso e São Jorge, a oferta era imperdível, principalmente depois de algumas tentativas frustradas.
Com teto garantido, chegamos a Brasília e retiramos os dois carros que havíamos reservado. Seguimos para Goiás no sábado pela manhã (10), depois de encher os carros com frutas, verduras e vegetais comprados na CEASA local. Foram ingredientes importantes, pois cozinhamos durante todos os dias de nossa trip (uma saudável e sábia escolha, pois economizamos muito!).
Segundo dia: Alto Paraíso
Com chimarrão na mão e pé na estrada, decidimos almoçar em Alto Paraíso (GO). O destino é famoso pela mística que envolve os extraterrestres e o culto à ufologia. Na cidade, há bares, restaurantes e lojas com a temática de ETs. Foi lá onde tomamos nosso primeiro banho de cachoeira, de nome Loquinhas encontramos trilhas bem estruturadas, diversas quedas d’água e piscinas naturais.
Já refrescadas e depois de mais alguns quilômetros chegamos ao nosso destino. Na casa, rodeada de árvores, não demorou muito para a mulherada se reunir na cozinha como uma grande família. Ali, o alimento do corpo era preparado, mas também o da alma. Lembrando, por que não, os ritos das nossas ancestrais ou os almoços de domingo na casa da vó.
Fomos sem roteiro, abertas ao inesperado e às dicas de quem conhecia o local. Na manhã do segundo dia, depois de tomar um café digno de hotel com tudo preparado por nós, partimos rumo à Cachoeira Veredas, que fica em uma fazenda de mesmo nome, em Cavalcante. Surpreendemo-nos a cada queda d’água e com a variedade da fauna e da flora dos caminhos (que foram longos).
Como conhecer a Chapada requer muito tempo, o que não tínhamos, preferimos acordar mais cedo nos outros dias e tomar café da manhã nos carros, enquanto nos deslocávamos até os pontos turísticos. Dessa forma, otimizamos o tempo, pois para ir a qualquer lugar por lá é necessário andar por estradas de terra e caminhar um bocado.
Terceiro dia: São Jorge
Aproveitamos o terceiro dia para ir até São Jorge, onde fica o acesso ao Parque Nacional. Diferentemente das outras atrações, que estão localizadas em propriedades particulares, até o momento, ele tinha entrada gratuita, uma boa opção para quem não pode gastar muito (como era nosso caso). Assim que se chega ao local é preciso decidir qual das quatro opções de trilhas fazer, algumas podem demorar um dia inteiro para serem concluídas.
Dentro do Parque, talvez, tenha sido a primeira vez que nos envolvemos com o extraordinário bioma do Cerrado. Os caminhos, que brilhavam por causa dos fragmentos das pedras preciosas, nos levaram a paisagens que disputavam nossas atenções pelos detalhes de flores exóticas, árvores retorcidas, araras-azuis que, não raro, voavam sobre nós e os cânions e montanhas que nos rodeavam. Uma sensação de alívio nos preencheu ao ver que a natureza se recuperava das chamas de meses atrás.
Quarto dia: Cachoeiras Santa Bárbara e Capivara
O quarto, e último dia, reservamos para conhecer a famosa, e mais disputada, cachoeira Santa Bárbara. Madrugamos para ver o sol nascer no mirante Nova Aurora, que fica na mesma direção. O acesso à cachoeira encontra-se no quilombo Kalunga, que cuida do local e possui uma associação de guias, que são obrigatórios para as trilhas. Vale a pena reservar um tempinho para conhecer um pouco da cultura e os saberes dos quilombolas.
Quando chegamos próximo da entrada da comunidade, uma fila imensa nos alertava para o pior. Tarde demais! O limite de visitantes diários tinha sido atingido, não poderíamos entrar. O que saberíamos somente depois, é que esse é um conhecido problema que se agrava a cada ano. Naquele dia, escutamos relatos de pessoas que estavam indo pela segunda ou terceira vez na tentativa de conhecer o lugar, sem sucesso.
Como viajar é estar aberto aos imprevistos, a frustração foi dissolvida nas águas da Cachoeira Capivara, próximo de onde estávamos. E foi ali, debaixo da água fria que cantamos parabéns ao motivo de estarmos juntas. Sem dúvida, uma festa inesquecível!
O que eu vivi nesse carnaval alternativo foi um resgate de mim. Contrariando a música, esse carnaval não teve fim. As vivências dessa viagem ainda reverberam e são motivos de reencontros (e viagens). Se eu posso dar um conselho: viaje com outras mulheres.
ALGUMAS DICAS
- Para não perder a cachoeira de Santa Bárbara, contrate um guia local e chegue bem cedo.
- Apesar de lindas, não pegue as pedras das trilhas.
- Fique preparado para caminhar e para as mudanças do caminho.
- Sabrina Stieler é jornalista e uma viajante apaixonada que já percorreu as paisagens mais lindas do Brasil e de países como Portugal e Espanha.